segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Duas Vidas

Ele não faz miau nem provou ter sete vidas. Mas duas, sim. Disso ninguém duvida. O poodle late, salta, festeja a chegada de alguém. Um dia, numa temporada num sítio, Bob* foi encontrado sem forças para andar. Nem engatinhar como se fosse um filhotinho conseguia.

Às pressa foi removido para Salvador e internado numa clínica. Ninguém identificava qual doença tinha vitimado o cãozinho. "Bobinho", "Bobinho", ele não reagia. Meu sobrinho, que adora Bob, sofria junto, mas teve forças para ajudá-lo a fazer fisioterapia na água.

Da primeira vez, carregou Bob no colo e, com a farda do colégio, se lançou ao mar junto com o "paciente". A partir daí, todos os dias, pegava o cachorro na clínica para nova sessão de hidroterapia. Mesmo assim, o poodle não dava sinais de melhora. Passou tantos dias se arrastando que ficou com escaras na barriga.

A veterinária pensou em sacrificar o animal porque ele não tinha mais resistência. Antes, no entanto, fez a última experiência: receitou medicamentos homeopáticos, inclusive, para depressão. Pois não é que o esperado milagre aconteceu! Um dia a veterinária viu Bob se erguendo e voltando a andar.

Num domingo de tarde ele teve alta, foi recebido com festa, cercado de mimos. Depois de tanta especulação a respeito do caso, foi descoberta a razão do problema. Bob sofreu um trauma, no sítio, ao correr de uma vaca que ameaçava atacá-lo. Ficou doente após o grande susto. Com 9 anos, hoje ele desfruta de sua segunda vida no apartamento de onde tinha sido afastado por causa da mania de fazer xixi em casa.

Bob aprendeu a lição. Desce três vezes ao dia para satisfazer suas necessidades longe. Agora o problema é outro: engordou, virou uma bolinha e come somente ração light. Ele não tira o olho de quem esteja saboreando algo por perto. De vez em quando dá uma de vira-lata e na surdina pega uma banana, tira a casca e se delicia...

Publicada em Sintonia - Caderno
de Poesias e Crônicas de minha autoria.

*Bob morreu em fevereiro de 2003 de outra
enfermidade. (A crônica foi escrita em 2002)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dupla do barulho na sala de aula

Passou muito tempo, mas as recordações da traquinagem da dupla estão vivas na memória. A estagiária do Magistério penou nas mãos dos alunos mais danados na sala de aula. Talvez, por isso mesmo, não consegue esquecer de Pedro, então com 11 anos, e Antonia, 10. Ele, negro, esquelético. Ela, gordinha, morena clara.

Os dois não davam sossego à estudante que cursava o último ano do 2º grau e não tinha segurança do futuro profissional. A única certeza era a necessidade de cumprir todo o estágio para ter boa nota e, finalmente, receber o diploma. Sua grande dificuldade foi encarar a indisciplina da turma da 4ª série.

Os alunos, praticamente todos, faziam muito barulho e arruaça. Nada igual ao comportamento de Pedro e Antonia. A dupla não dava descanso. Corria pela pequena sala, gritava e desafiava a futura professora. Numa dessas peraltices acabou passando uma rasteira. Sabe o que houve? A normalista foi ao chão. Raivosa, decepcionada, repreendeu como pode, fez sermão e ficou de cara feia.

No final do mês uma grande surpresa. Imagine quem tirou as melhores notas em todas as disciplinas? Se pensou em Pedro e Antonia, acertou. A estagiária custou a entender como meninos tão inquietos nas aulas tiveram desempenho escolar tão bom. Tudo acima de 9 em Matemática, Português, Geografia, História, Ciências...

Passadas algumas décadas, ela percebe melhor esse processo. Talvez os assuntos não fossem do interesse da dupla, que possivelmente gostaria de temas novos nas aulas. A normalista de antes ainda hoje se recorda da experiência. E preserva o nome dos estudantes que mais trabalho deram na fase do estágio. Não se lembra de nenhum outro nome. Lembra de Pedro e Antonia. Os outros se perderam na história.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sou versos


Andei,
nem
pensei
onde
chegar.
Fui sem
amarras
ao passado
ou laços
que me
prendam
ao futuro.
Estou no
presente
sem
desviar
o olhar
do aqui.
Sem tirar
o pé
do agora.
Sou este
momento
de criação.
Sou
o poema
que nasceu
agora,
teclado.
Sou letras,
palavras,
pontos,
vírgulas.
Sou versos
neste
instante
eterno.

Foto: Regis Capibaribe