domingo, 12 de dezembro de 2010

Editora da Ufba promove lançamento coletivo

A homenagem a Santa Bárbara é abordada em uma das publicações
A Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba) promove, nesta segunda-feira (13), a partir das 17h30, mais um lançamento coletivo. O evento acontece na Reitoria da Ufba, espaço de importantes acontecimentos, contemplando todos os cursos da Universidade. A entrada é gratuita e todas as publicações estão com preços abaixo do valor de comercialização.

O evento tem por finalidade integrar as diversas áreas, gerando um intercâmbio de experiências que já se mostra tradicional na rotina de eventos da comunidade acadêmica. Um espaço para novas parcerias, além de boa oportunidade de se atualizar em relação ao que é produzido pela universidade. (Foto: Alberto Coutinho/Agecom).

RELAÇÃO DOS TÍTULOS

Tempo de Festas: homenagens a Santa Bárbara, Nossa Senhora da Conceição e Sant’Ana em Salvador (1860-1940), de Edilece Souza Couto;
Catálogo da fauna terrestre de importância médica da Bahia, de Tania Kobler Brazil (org.);
Cuidado com o vão: repercussões do homicídio entre jovens de periferia, de José Eduardo Ferreira Santos;
Educação, multiculturalismo e diversidade, de Lívia Fialho Costa e Marcos Luciano L. Messeder (org.);
Introdução às perspectivas interculturais em educação, de Abdeljalil Akkari;
Manual do DSpace: administração de repositórios, de Milton Shintaku e Rodrigo Meirelles;
Radiodifusão e telecomunicações: o paradoxo da desvinculação normativa no Brasil, de Chalini Torquato G. Barros;
Repositórios institucionais: democratizando o acesso ao conhecimento, de Maria João Gomes e Flávia Rosa (org.);
Tecendo histórias: espaço, política e identidade, de Antônio L. Negro, Evergton S. Souza e Lígia Bellini (org.);
A religiosidade na obra de Herberto Sales, de Andréa Beatriz Hack de Góes.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

MinC capacita agentes de leitura

 O Ministério da Cultura, por meio da Cátedra Unesco da Leitura - PUC/RJ, iniciou ontem  a primeira turma de Formação dos Capacitadores do Projeto Agentes de Leitura, que faz parte das ações do Programa Mais Cultura. Participam 30 profissionais que vão se preparar para capacitar os jovens em 19 municípios brasileiros. O evento continua até sexta-feira (12).

Os profissionais capacitados vão formar 619 agentes de leitura para atuar no projeto desenvolvido em 16 cidades do Rio de Janeiro, e também nos municípios de Nilópolis (RJ), Belo Horizonte (MG) e São Bernardo do Campo (SP), que assinaram convênios específicos. O processo de formação dos capacitadores é feito por meios de dinâmicas, aulas e palestras de especialistas em mediação de leitura selecionados pela Cátedra Unesco.

Os agentes são jovens entre 18 e 29 anos que visitam comunidades de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e desenvolvem atividades de estímulo à leitura, como contação de história, rodas de leitura, entre outras. Cada agente recebe uma bolsa de R$ 350 por mês e atua na própria comunidade, onde visita regularmente 25 famílias.

FUTUROS AGENTES
Os profissionais capacitados começam a repassar a formação aos futuros agentes ainda este mês. A primeira cidade que vai realizar a atividade é São Bernardo do Campo (SP), a partir do dia 22 de novembro. Na cidade paulista, os primeiros 272 agentes começam a atuar em janeiro do ano que vem. O município vai lançar, futuramente, edital para a seleção de outros 128 agentes.

A cidade de Nilópolis (RJ) está com as inscrições abertas para a seleção dos Agentes até o dia 22  próximo. Os capacitadores preveem formar os 24 jovens em fevereiro de 2011. Para os interessados em atuar no estado do Rio de Janeiro, as inscrições continuam até 10 de dezembro, com previsão de seleção de 200 agentes a partir de janeiro de 2011. Em Belo Horizonte, a previsão é que o edital para seleção de 123 agentes seja lançado ainda este ano.

O Programa Mais Cultura repassa os recursos aos estados e municípios, assim como a metodologia de seleção e formação dos Agentes de Leitura. Cabe aos estados e municípios a composição da contrapartida financeira e a implantação do projeto em seu território. O projeto é uma das estratégias do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) que busca a democratização do acesso ao livro e formação leitora. (Foto: Herivelto Batista)

sábado, 6 de novembro de 2010

Voo sem asas

 

 Vento na
janela
me leva
pra longe,
voo sem asas
rumo ao espaço
em outra
dimensão.

IDA...

Menina moça
passeia,
praça fervilha...
Rostos, formas,
tons e sons,
uma geração.
 Rapazes miram,
garotas rodam,
vêm e vão,
aperto de mão...
censura
em nome
de proteção.

VOLTA

Pés no chão,
vento sopra
na janela,
andar alto,
noite vazia,
outros sons,
outros tons,
só motores...

Imagem: Fotos-hz4





segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Presidenta ou a presidente, eis uma questão?


Com a eleição de uma mulher para ocupar o cargo de maior responsabilidade no País - a Presidência da República - entra em cena novo debate: como denominar sua função? Presidente, presidenta, eis a questão! 

Antes de qualquer tese sobre o tema, vamos à etmologia da palavra com base no Wickionário: o termo tem origem no latim praesidens (presidente, líder), que é o particípio do verbo praesidere, formado pelo sufixo prae (antes) mais sidere (sentar)

Alguns dicionários já acolhem a expressão presidenta como significado de mulher que exerce função de presidente, a exemplo do Dicionário do Aurélio. Mas não existe consenso quanto a esse uso. No dia a dia, o que se houve, ou escreve, é "a presidente" disso ou daquilo.

A Folha.com se adiantou e, já na noite do domingo (31), divulgou que vai utlizar a expressão presidente quando se referir a Dilma Rousseff. Segundo a Folha, durante a disputa eleitoral, a coordenação da campanha ensaiou o uso do termo  presidenta, mas pesquisas internas mostraram que a mudança não tinha impacto significativo a favor da então candidata.

Pela capa da edição especial da Carta Capital, que o site estampa nesta segunda-feira (1º),  a revista também prefere presidente. Tanto que o título é "Mulher e presidente". A Istoé igualmente faz essa escolha conforme a citação - "presidente eleita Dilma Rousseff" - na matéria intitulada "Tom conciliador de Dilma contrastou com fala de Serra" publicada no site.

Em português, tanto faz usar uma forma ou outra, mas presidenta é menos comum e deixa a sonoridade pesada. Recordo-me de uma época em que um jornal baiano tentou aplicar o termo presidenta - quando se referia a uma dirigente de determinada instituição -, porém não pegou. 

Acho mais elegante, mais coloquial, mais simples adotar o termo "unisex" precedido do artigo feminino "a". Então por que não "a presidente" Dilma Rousseff? Vejo essa como a melhor opção. (Imagem: Carta Capital)





sábado, 30 de outubro de 2010

Espelho

 
  O poema não quer
escutar o coração
nem sentir os voos,
os sopros do
útero, da alma.
Luta entre o real e 
o mundo pensante.
Palavras, frases, 
resistência, dribles...
Desejo apenas
de mirar o espelho,
se revelar ao mundo,
 simples, como é,
sem disfarces.
Essência,
mesmo quando 
se protege na máscara.
Mergulho...
brota o embrião
deste poema.









quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Concurso revela talentos literários

 Trinta e seis alunos da rede de ensino estadual da Bahia, selecionados em concursos regionais, apresentaram nesta quinta-feira (28), no Museu de Arte Moderna (MAM), na Avenida Contorno, poesias, cordéis e outros textos literários de sua autoria no encerramento do concurso Tempos de Arte Literária (TAL).

Para chamar a atenção do público, os poetas usaram muita criatividade. O estudante Marcos Vinicius de Souza, 17 anos, morador do município de João Sá, se vestiu de cangaceiro para homenagear um ídolo, o forrozeiro Luiz Gonzaga. Ele é autor da poesia A Saga de Luiz Gonzaga.

“O projeto me estimulou a escrever, coisa que nunca pensei. Na verdade, minha disciplina favorita é Matemática, mas vi no projeto uma chance de homenagear Luiz Gonzaga. Acho que o TAL é muito importante para a nossa aprendizagem, e ajuda os estudantes a ler mais”, afirmou Marcos.

Outro estudante que enxergou na iniciativa uma chance de revelar o seu talento foi Hugo Trindade, 16 anos, de Rio de Contas. “Eu sempre gostei de escrever, mas o projeto me fez ter vontade de mostrar os meus textos para o público. Acho que este programa deveria ter surgido há muito tempo porque abre espaço para nós”.

Segundo a coordenadora de Projetos Interssetoriais, Nide Nobre, o TAL foi concebido para envolver os estudantes da 5ª série do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio e equivalentes (Educação de Jovens e Adultos, Ensino Normal e Tecnológico). Este ano mais de um milhão de estudantes de 398 municípios baianos concorreram.

A solenidade de encerramento do projeto contou com a presença do escritor Rubem Alves, que fez palestra para os alunos e professores da rede pública. “Se as escolas conseguirem fazer brotar nos adolescentes o prazer da leitura, terão realizado a sua missão”. Em 2009 o TAL foi desenvolvido em 362 municípios da  Bahia, com 718 escolas participando efetivamente do projeto, produzindo obras de arte literárias estudantis e realizando os Saraus Escolares e o Sarau Estadual. (Foto: Jorge Cordeiro/Agecom)
 
Fonte: Agecom 

domingo, 24 de outubro de 2010

CONHECIMENTO ENCICLOPÉDICO


CONHECIMENTO ENCICLOPÉDICO E O PROCESSAMENTO TEXTUAL
NO POEMA TODAS AS VIDAS DE CORA CORALINA [1]
Maria das Graças Filadelfo de Oliveira
[2]
“Alguém deve rever, escrever e assinar os autos do Passado antes que o Tempo passe tudo a raso. É o que procuro fazer para a geração nova, sempre atenta e enlevada nas estórias, lendas, tradições, sociologia e folclore de nossa terra. Para a gente moça, pois, escrevi este livro de estórias. Sei que serei lida e entendida.”
(Cora Coralina) [3]
Resumo
Este artigo tem como objetivo central apresentar uma análise destacando como o conhecimento enciclopédico ou de mundo é mobilizado no processamento textual na poesia de Cora Coralina. O propósito principal da pesquisa consiste em ressaltar a importância desse sistema de conhecimento, não como uma espécie de depósito de informação do qual os falantes lançam mão no momento do processo discursivo, mas como um mecanismo estratégico importante para a construção de sentido do texto. O estudo tem como referencial teórico Koch (2003/2004), Barthes (2004), entre outros autores.
Palavras-chave: Conhecimento de mundo, processamento textual e sentido.
1. Introdução
O processo da escrita mobiliza várias estratégias para que uma idéia ganhe sentido em forma de texto. Nesse mecanismo, o conhecimento enciclopédico ou de mundo enriquece o processamento textual. As experiências acumuladas ao longo do tempo constituem amplo conhecimento de mundo, independente do nível de escolaridade dos falantes. Essas experiências, socioculturalmente adquiridas, encontram-se armazenadas na memória de cada indivíduo e são ativadas no processamento discursivo.
Os poemas de Cora Coralina (1889/1985) são um exemplo importante para discutir essas estratégias. O despojamento dos versos da poetisa casa de forma perfeita com a simplicidade do ambiente onde viveu e apresenta a grandiosidade de alguém que escreveu como se tivesse freqüentado bancos universitários ou, talvez, ambientes de luxo.
Neste artigo, foi selecionado o poema Todas as Vidas — retirado do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais (2003) —, para estudo e discussão a respeito da abordagem do conhecimento de mundo nos poemas de Cora, poetiza e escritora, que fez apenas o antigo Curso Primário. A autora era doceira de profissão e desde muito jovem começou a exercitar sua vocação literária. Tanto que deixou uma obra rica, onde se destacam a espontaneidade, os costumes e os sentimentos populares de Goiás, documentados em prosa e verso.
A escassez de estudos focalizando esse aspecto da obra literária da autora contribuiu para a realização deste trabalho. Os estudos foram iniciados pelo levantamento bibliográfico e busca em sites para embasamento teórico do tema. As análises fundamentam-se, principalmente, em Koch, nos livros Desvendando os Segredos do Texto e O Texto e a Construção dos Sentidos (2003) e Introdução à Lingüística Textual (2004).
A opção pelo estudo da influência do conhecimento de mundo no processamento textual foi pensada logo que os temas para o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) foram apresentados à turma do Curso de Especialização em Gramática e Texto/2003 oferecido pela UNIFACS (Universidade Salvador). As pesquisas começaram pelo levantamento da bibliografia para estudo e melhor compreensão do assunto. Das leituras realizadas durante o curso, Koch (2003, 2004) aparece entre os autores que mais contribuíram para ampliar a percepção dos sistemas de conhecimento mobilizados na construção do texto.
No primeiro momento, a intenção foi analisar o conhecimento de mundo identificado em textos jornalísticos. Depois surgiu a idéia de focar o estudo em textos produzidos por algum grupo de idosos. As duas possibilidades foram descartadas a partir da leitura de Todas as Vidas, de Cora Coralina. Estava ali um grande exemplo de conhecimento enciclopédico: um poema rico em pistas que apontavam para as vivências da autora.
O conhecimento de mundo é abordado a partir do conceito de texto e dos elementos que contribuem no processo da escrita. Os diversos papéis experimentados ou testemunhados por Cora Coralina, que têm espaços nobres nos versos, ilustram a influência do conhecimento enciclopédico no processamento textual de seus escritos.

2. Conceituação de Texto

Tudo que resulta em leitura constitui um texto. A paisagem da água correndo tranqüila no Rio São Francisco, o trânsito caótico no entardecer das grandes cidades, a mulher amamentando o filho num shopping center, aposentados conversando nos bancos da praça, trabalhadores enfrentando filas na busca pelo emprego. São imagens que possibilitam leituras.
O texto nasce de variadas formas e situações. Tanto na escrita quanto na oralidade, entram em cena a coerência, a coesão, os conhecimentos prévios e de mundo, os aspectos sócio-interacionais, entre outros, que vão inferindo sentido ao texto. Koch (2003), em O Texto e a Construção dos Sentidos, afirma que “dentro da concepção de linguagem como atividade interindividual, o processamento textual, quer em termos de produção, quer de compreensão, deve ser visto também como uma atividade de caráter lingüístico e de caráter sóciocognitivo”. Ela explica:
“...dentro dessa concepção, o texto é conhecido como manifestação verbal, construída de elementos lingüísticos de diversas ordens selecionados e dispostos de acordo com as virtualidades que cada língua põe à disposição dos falantes no curso de uma atividade verbal, de modo a facultar aos interactantes não apenas a produção de sentidos, como a fundear a própria interação como prática sociocultural. Nessa atividade de produção textual, os parceiros mobilizam diversos sistemas de conhecimentos que têm representados na memória, a par de um conjunto de estratégias de processamaneto de caráter sóciocognitivo e textual”. (KOCH, 2003, p. 31)
Koch (2003) ressalta que na perspectiva do produtor do texto, a atividade expressiva necessita de um “projeto de dizer”, e o interpretador (leitor/ouvinte) de uma participação ativa na construção do sentido, por meio da mobilização do contexto, a partir das pistas e sinalizações oferecidas pelo texto. Produtor e interpretador atuam no jogo da linguagem, mobilizando “uma série de estratégias – de ordem sóciocognitiva, interacional e textual – com vistas à produção do sentido”.
Ainda segundo Koch, por conhecimento lingüístico compreendem-se os aspectos gramaticais e lexicais. O conhecimento sócio-interacional é referente às ações verbais, ou seja, interações através da linguagem. O conhecimento enciclopédico, ou conhecimento de mundo, representa o que está armazenado na memória de cada pessoa, seja do tipo declarativo (proposições a respeito de fatos do mundo) ou episódico (os ‘modelos cognitivos’ sócioculturalmente determinados e adquiridos através da experiência).
No livro O Texto e a Construção de Sentidos, a autora afirma que um texto se constitui enquanto tal quando os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação lingüística, são capazes de construir, para ela, determinado sentido. Isso reflete uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional. O sentido, portanto, não está no texto, “se constrói a partir dele” no processo de uma interação. O leitor também mergulha nos explícitos e implícitos, a partir de suas vivências, para empreender e compreender o dito e o não-dito.

3. Escrevendo com Prazer

O primeiro movimento na construção do texto para tornar o produto final agradável é ser feito com prazer. Como? Brincando, deixando-o nascer sem medo, fluindo a expressão de forma tão espontânea quanto à fala. O texto brotando do deleite de criar. É o processo da fruição (prazer, gozo), como refere Roland Barthes em O Prazer do Texto (2004): “O texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja. Essa prova existe: é a escritura. A escritura é isto: a ciência das fruições da linguagem, seu kama-sutra (desta ciência, só há um tratado: a própria escritura)”.
Em entrevista ao webjornal Balaio de Notícias (2006), a professora Ester Mambrini[4] afirma que “o bom texto é aquele que faz a diferença para o autor. Se o autor não agir pelo texto, se ele não se propuser a dizer-se algo, dificilmente o leitor estabelecerá um diálogo com o texto. A correção lingüística não é, decididamente, o que garante qualidade textual, nem a coesão e nem a coerência...” Mas ressalva ser importante aprender a aprimorar os recursos coesivos e de coerência, assim como fazer revisão gramatical.

“...o bom texto resulta primeiramente da disposição de o autor enfrentar a complexidade de dizer ‘exatamente’ aquilo que ele quer dizer, sem recorrer a estereótipos e a lugares comuns, ou, em outras palavras: primeiro, ter o que dizer – caminho da autoria − utilizando então os melhores recursos disponíveis – lingüísticos, cognitivos, sociais. E lembrar sempre que o leitor “trabalha” muito na leitura de um texto; por isso, que se faça valer a pena essa sua disponibilidade, lembrando também que a função do texto é estabelecer uma interlocução à distância: por isso, não dá para fazer da produção e da leitura de um texto um exercício de produção de charadas temáticas e de adivinhações metafísicas.” (BALAIO DE NOTÍCIAS)

No começo, é natural o temor de empreender um texto. Principalmente, se o autor dispõe de muitas informações e se sente perdido entre elas. Essa sensação de caos faz parte do processo criativo, como bem observa o jornalista Luciano Costa Martins, em Escrever com Criatividade (2001). É aos poucos que cada aspecto assume seu lugar. O todo vai se organizando na mente, as idéias ganham corpo textual. Letras se unem, tornando palavras, que se transformam em períodos, que viram textos orais, impressos ou virtuais.
Ainda de acordo com Martins, “a sensação de insegurança que surge sempre que você tem de começar um texto é a mesma que ataca qualquer ser humano diante de desafios e mudanças”. Quando se escreve um relatório ou outro gênero textual a sensação inicial é de caos. Nesse processo, os elementos inicialmente desconexos vão se alinhando e incorporando sentido para quem vai ler.

O outro — o leitor — é o referencial. Desde que não se transforme num elemento desmotivador no processo da criação. Se quem escreve o faz por prazer e prima para produzir o melhor, compreendendo e apreciando sua escrita, o texto tem mais possibilidade de agradar. Por isso importa o exercício da empatia. É o autor se colocando no lugar de quem lê seu texto para sentir a natureza do que escreveu.

“O processo de comunicação tem mão dupla e depende muito do estabelecimento de alguma empatia entre quem emite e quem recebe a mensagem. Em última análise, ela será medida pelo grau de percepção do receptor, mas não podemos esquecer que, uma vez começado o processo de comunicação, os interlocutores se revezam nos papéis de emissor e receptor, especialmente na comunicação interativa direta ou mediada eletronicamente...” (MARTINS, 2001, p. 109).

Com a explicação acima, Martins reforça a necessidade da interação entre quem escreve e quem ler o texto. O processo começa pela empatia, quando o autor exercita também o papel do leitor, sentindo-se no seu lugar para apreciar a escrita. Esse mecanismo é bem acentuado na comunicação eletrônica, onde emissor e receptor têm maior oportunidade de partilhar a interação como acontece nos chats, onde são alternados em tempo real os papéis de emissor e receptor da mensagem. Outra possibilidade são os e-mails. Nesse caso, vozes ressoam favorecendo a escrita, que também passa a ser compartilhada, e enriquece o conteúdo do texto.
Como o mecanismo da interação, a aprendizagem acumulada pelas vivências do dia-dia também é um elemento essencial no processamento da produção textual. O tópico a seguir analisa, mais detalhadamente, o argumento sobre o papel do conhecimento de mundo no exercício da escrita.
4. Conhecimento de Mundo
Os anos de vida escolar instrumentalizam o produtor textual. A geração do texto, no entanto, não depende só dos conhecimentos adquiridos por meio dos livros. Tão importante quanto esse aprendizado são as histórias de cada pessoa, as emoções experimentadas ou testemunhadas.
Um trabalhador rural, mesmo sem ter freqüentado escola, pode fornecer a um pesquisador dados importantes sobre as condições de vida no campo ou dá subsídios para reportagem com preciosas informações. O que é isso senão o conhecimento de mundo, a experiência do cotidiano, o saber vivenciado? Cora Coralina é um exemplo rico dessa assertiva.
Em Todas as Vidas (2003), Cora Coralina fala com primazia da cabocla velha, da lavadeira de roupa, da cozinheira, da proletária, da prostituta, da mulher da roça, da analfabeta, da mãe, da avó. Os vários papéis internalizados são expressos de forma criativa, direta, envolvente, num recurso semântico que remete aos traços característicos de cada um dessas personagens.
A autora nasceu em Goiás Velho, recebeu o nome de Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretãs, ficou conhecida como Aninha da Ponte da Lapa e depois adotou o pseudônimo Cora Coralina. Filha de Jacinta Luíza do Couto Brandão Peixoto e do desembargador Francisco de Paula Lins dos Guimarães, aos 12 anos passou a residir no interior de São Paulo, de onde retornou em 1954.
Suas primeiras criações no mundo da escrita surgiram na adolescência, mas o primeiro livro só foi editado aos 75 anos de idade. O reconhecimento público aconteceu quando Cora Coralina tinha 90 anos, depois que suas obras chegaram ao conhecimento de Carlos Drummond de Andrade. O poeta expressou sua admiração fazendo o comentário:
"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu ´Vintém de Cobre´[5] é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia...”
(DISPONÍVEL EM: http://www.vilaboadegoias.com.br/cora_coralina/index.htm)
Drummond resume o encantamento pela poesia de Cora destacando o poema Vintém de Cobre. Suas observações reforçam as vivências da autora, que transpõem para a obra literária a diversidade cultural armazenada em sua memória. A sensibilidade especial e a riqueza da experiência humana, como assinala o poeta, engrandecem e embelezam a natureza dos escritos da poetiza.
5. Poema Todas as Vidas e o Conhecimento de Mundo
“Vive dentro de mim/ uma cabocla velha/ de mau-olhado,/ acocorada ao pé do borralho,/ olhando pra o fogo./ Benze quebranto./ Bota feitiço.../ Ogum. Orixá./ Macumba,/ terreiro./ Ogã, pai-de-santo...” [6]. Em poucos versos do poema Todas as Vidas Cora Coralina convida o leitor ao mundo dos orixás, que fincou raízes em diversas regiões do Brasil, apresentando aqui e ali um ou outro traço diverso. O ritual descrito possibilita imagens que sinalizam o conhecimento de mundo.
Os versos seguintes enveredam pelo mesmo caminho: “Vive dentro de mim/
a lavadeira/ do Rio Vermelho./ Seu cheiro gostoso/ d'água e sabão./ Rodilha de pano./ Trouxa de roupa,/ pedra de anil/ Sua coroa verde/ de São-caetano.” As cenas do cotidiano das lavadeiras ganham forma e vida, até insinuando o aroma do sabão, na forma descrita com sensibilidade.
Depois Cora Coralina sintetiza o papel da cozinheira: “Vive dentro de mim/ a mulher cozinheira. / Pimenta e cebola./ Quitute bem feito./ Panela de barro./ Taipa de lenha./ Cozinha antiga/ toda pretinha./ Bem cacheada de picumã./ Pedra pontuda/ Cumbuco de coco./ Pisando alho-sal”. Não é preciso ter experiência na tarefa de cozinheiro (a) para o(a) leitor(a) perceber a rotina da cozinha presente no poema. Com a maestria de quem era doceira de profissão, a autora fala dos instrumentos, temperos e do ambiente característico do tempo do fogão e forno a lenha.
“Vive dentro de mim/ a mulher do povo./ Bem proletária./ Bem linguaruda,/ desabusada,/ sem preconceitos,/ de casca-grossa,/ de chinelinha,/ e filharada”. A proletária tem espaço no texto quando Cora Coralina retrata a mulher do povo. Em seguida, apresenta a roceira: “Vive dentro de mim/ a mulher roceira./ - Enxerto de terra,/ meio casmurra./ Trabalhadeira./ Madrugadeira./ Analfabeta./ De pé no chão./ Bem parideira./ Bem criadeira./ Seus doze filhos./ Seus vinte netos.” É a mulher que vive na roça apresentada sem rodeios. Poeticamente, como nos demais versos, a autora expressa conhecimento enciclopédico falando de uma personagem que ainda hoje é encontrada na zona rural.
A prostituta é retratada de forma humana e solidária. “Vive dentro de mim/ a mulher da vida./ Minha irmãzinha.../ tão desprezada/ tão murmurada.../ Fingindo ser alegre seu triste fado”. Por último, sintetiza com igual simplicidade: “Todas as vidas/ dentro de mim: Na minha vida/ - a vida mera/ das obscuras!”
Todas as Vidas é um exemplo da importância do conhecimento de mundo no processamento textual dos escritos de Cora Coralina. No livro Poemas dos Becos de Goiás e Histórias Mais (2003), Oswaldino Marques afirma em um dos prefácios: “...ela ensaia preferentemente a polpa de suas vivências, ou melhor dito, os dados da sua circunstância correta. Se não inova, repoetiza – e com que convincentes poderes! – dilatados espaços brasileiros sem deixar, por isso, de restabelecer o tráfego com a universalidade do humano”.
Martins (2001) reforça esse sentimento:
Cora Coralina – autora – prometeu algo diferente ao leitor e cumpriu tudo – em forma e conteúdo: estórias, lendas, tradições, sociologia, folclore de nossa terra e história, com uma delicadeza de mulher, um bom humor de mulher pura e uma nitidez de mulher sábia – miniaturista de mundos idos, que se revela – intimidades pessoais e sociais que ela assim eternizou”. (POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS, p 11)
Em Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, a poesia de abertura, Ressalva, explica: “Este livro foi escrito/ por uma mulher/ que no tarde da Vida/ recria e poetiza sua própria/ Vida./ Este livro/ foi escrito por uma mulher/ que fez escalada da/ Montanha da Vida/ removendo pedras/ e plantando flores./ Este livro: Versos... Não./ Poesia... Não./ Um modo diferente de contar velhas estórias.”
A análise aponta para a possibilidade de se investigar de forma mais minuciosa esse aspecto da obra, contemplando o conhecimento de mundo no processamento textual de outros escritos da autora. Isso requer pesquisa ampla sobre a poesia e prosa de Cora Coralina, estudando as vivências que enriquecem e influenciam sua produção textual.
O livro Estórias da Casa Velha da Ponte (1986), repleto de contos, reforça a presença do conhecimento de mundo nos textos de Cora Coralina. O primeiro da série, Casa Velha da Ponte, já aponta os sinais:
“CASA VELHA DA PONTE...
Olho e vejo tua ancianidade vigorosa e sã.
Revejo teu corpo patinado pelo tempo, marcado das escaras da velhice. Desde quando ficaste assim?
Eu era menina e você já era a mesma, de paredes toscas, de beiradão desusado e feio, onde em dias de chuva se encolhiam as cabras soltas da cidade. Portais imensos para suas paredes rudes de barrotins e enchimento em lances sobrepostos salientes.” (ESTÓRIAS DA CASA VELHA DA PONTE, p 7)
O trecho acima apresenta a natureza dos escritos da autora. Os rastros do tempo na velha casa, os costumes e o linguajar novamente expressam o conhecimento enciclopédico. Os dezesseis contos seguintes são outros exemplos: Minga, Zóio de Prata; Campos Sales; Procissão das Almas; O Caso de Mana; A Pedrinha de “Briante”; Quadrinhos da Vida; O Boi de Guia; Cortar em Riba do Rasto; Miquita; O Casamento e a Cegonha; Quadros do Nordeste; O Lampião da Rua do Fogo; “Correio Oficial de Goiás”; Papéis de Circunstância; O Cangaceiro; O Prematuro.
Os versos abaixo transcritos de poemas do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais seguem no mesmo caminho:
Em A Escola da Mestra Silvina, por exemplo, Cora Coralina expressa mais uma vez o conhecimento de mundo. “A casa da escola inda é a mesma./ - Quanta saudade quando passo ali!/ Rua Direita, nº 13./ Porta da rua pesada,/ escorada com a mesma pedra/ da nossa infância”. Nesses versos, a autora apresenta o endereço da antiga escola para depois relembrar a descrição do ambiente:
“Porta do meio, sempre fechada./ Corredor de Lajes/ e um cheirinho de rabugem/ dos cachorros de Samélia./ À direita – sala de aulas./ Janelas de rótulas./ Mesorra escura/ toda manchada de tinta/ das escritas./ Altos na parede, dois retratos:/ Deodoro, /Floriano.”
O poema Rio Vermelho segue na mesma linha. “Rio, santo milagroso./ Padroeiro que guarda e zela/ a saúde da minha gente,/ da minha antiga cidade largada./ Rio de lavadeiras lavando roupa./ De meninos lavando o corpo. / De potes se enchendo d’água./ E quem já ficou doente da água do rio?/ Quem já teve ferida braba, febre malina, pereba, sarna ou coceira?” As cenas descritas nos versos, de novo, evidenciam o enriquecimento poético favorecido pelo conhecimento enciclopédico.
Outro exemplo aparece em Minha Cidade. Logo nos versos de abertura, Cora se apresenta em versos que mesclam a descrição da cidade e pessoal: “Goiás, minha cidade... /Eu sou aquela amorosa/ de tuas ruas estreitas,/ curtas,/ indecisas,/ entrando,/ saindo/ uma das outras./ Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa./ Eu sou Aninha.”
Nos versos seguintes do mesmo poema, ela continua reativando suas memórias: “Eu sou aquela mulher/ que ficou velha,/ esquecida,/ nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,/ contando estórias,/ fazendo adivinhação./ Cantando teu passado./ Cantando teu futuro. / Eu vivo nas tuas igrejas/ e sobrados/ e telhados/ e paredes”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poema Todas as Vidas ilustra de forma clara o argumento de que o conhecimento de mundo tem grande influência no processamento da linguagem. O potencial armazenado na memória favorece a expressão das idéias, possibilitando recordações e associações que enriquecem a comunicação oral e escrita. A bibliografia enfocando esse aspecto da obra de Cora Coralina é escassa mesmo com a perceptível influência do conhecimento enciclopédico na sua criação literária.
De reconhecida importância no momento da produção textual, o conhecimento de mundo é um recurso que deve ser utilizado para motivar os alunos em sala de aula. Isto significa proporcionar a oportunidade de mobilizar o potencial preservado na memória de cada um - através de jogos, brincadeiras e outras dinâmicas -, de modo a estimular o gosto pela escrita. Nesse processo os gêneros textuais precisam ter sintonia com as necessidades de comunicação e vivências do aluno.
No caso de alfabetização de adultos, o conhecimento de mundo é um sistema que deve ser mobilizado durante o processo de ensino-aprendizagem quer em termos de compreensão como de produção textual oral ou escrita, visto que esse conhecimento se encontra armazenado na memória de cada indivíduo através da experiência vivida. Mesmo sem dominar a escrita, são pessoas que têm grande conhecimento enciclopédico construído no dia-a-dia. Cora Coralina é um exemplo dessa possibilidade.
Referências
BARTHES, Roland. O Prazer do Texto. Perspectiva, 4ª ed. São Paulo, 2004.
CORALINA, Cora. Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais. Global, 21ª ed. São Paulo, 2003.
________________ Estórias da Casa Velha da Ponte. Global Editora, 2ª ed. São Paulo, 1986.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Lingüística Textual. Martins Fontes, São Paulo, 2004.
_________________ O Texto e a Construção dos Sentidos. Contexto. São Paulo, 2003.
_________________ Desvendando os Segredos do Texto. Cortez Editora, 2ª ed. São Paulo, 2003.
MARTINS, Luciano. Escrever com Criatividade. Contexto. São Paulo, 2001.
APOIO Cultural Global Editora. Disponível em: HTTP://WWW.VILABOADEGOIAS.COM.BR/CORA_CORALINA/INDEX.HTM. Acesso em 08 nov. 2006.
ENTREVISTA: Ester Mambrini. Disponível em http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/entrevistaj3.htm. Acesso em 08 nov. 2006


ANEXOS
(Alguns poemas de Cora Coralina transcritos do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais)



Todas as Vidas
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
D’ água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
Pedra de anil.
Sua coroa verde de são Caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem-feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
- Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
Tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
A vida mera das obscuras.
Minha Cidade


Goiás, minha cidade...
Eu sou aquela amorosa de
tuas ruas estreitas,
curtas,
indecisas,
entrando,
saindo
uma das outras.
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.
Eu sou aquela mulher
que ficou velha,
esquecida,
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes,
contando estórias,
fazendo adivinhação.
Cantando teu passado.
Cantando teu futuro.
Eu vivo nas tuas igrejas
e sobrados
e telhados
e paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
verde de avencas
onde se debruça
um antigo jasmineiro,
cheiroso
na ruinha pobre e suja.
Eu sou estas casas
encostadas
cochilando umas com as outras.
Eu sou a ramada
dessas árvores,
sem nome e sem valia,
sem flores e sem frutos,
de que gostam
a gente cansada e os pássaros vadios.
Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe,
nascidas na frincha das pedras:
Bravias.
Renitentes.
Indomáveis.
Cortadas.
Maltratadas.
Pisadas.
E renascendo.
Eu sou a dureza desses morros,
revestidos,
enflorados,
lascados a machado,
lanhados, lacerados.
Queimados pelo fogo.
Pastados.
Calcinados
e renascidos.
Minha vida,
meus sentidos,
minha estética,
todas as vibrações
de minha sensibilidade de mulher,
têm, aqui, suas raízes.
Eu sou a menina feia
da ponte da Lapa.
Eu sou Aninha.




A Escola da Mestra Silvina.
Minha escola primária...
Escola antiga de antiga mestra.
Repartida em dois períodos
para a mesma meninada,
das 8 às 11, da 1 às 4.
Nem recreio, nem exames.
Nem notas, nem férias.
Sem cânticos, sem merenda...
Digo mal – sempre havia
distribuídos
alguns bolos de palmatória...
A granel?
Não, que a Mestra
era boa, velha, cansada, aposentada.
Tinha já ensinado a uma geração
antes da minha.
A gente chegava “- Bença, Mestra”.
Sentava em bancos compridos,
escorridos, sem encosto.
Lia alto lições de rotina:
o velho abecedário,
lição salteada.
Aprendia a soletrar.
Vinha depois:
Primeiro, segundo,
terceiro e quarto livros
do erudito pedagogo
Abílio César Borges –
Barão de Macaúbas.
E as máximas sapientes
do Marquês de Maricá.
Não se usava quadro-negro.
As contas se faziam
em pequenas lousas
individuais.
Não havia chamada
e sim o ritual
de entradas, compassadas.
“ – Bença, Mestra...”
Banco dos Meninos.
Banco das Meninas.
Tudo muito sério.
Não se brincava.
Muito respeito.
Leitura alta.
Soletrava-se.
Cobria-se o debuxo.
Dava-se a lição.
Tinha dia certo de argumento
Com a palmatória pedagógica
em cena.
Cantava-se em coro a velha tabuada.
Velhos colegas daquele tempo...
Onde andam vocês?
A casa da escola inda é a mesma.
- Quanta saudade quando passo ali!
Rua Direita, nº 13.
Porta da rua pesada,
escorada com a mesma pedra
da nossa infância.
Porta do meio, sempre fechada.
Corredor de lajes
e um cheirinho de rabugem
dos cachorros de Samélia.
À direita – salas de aulas.
Janelas de rótulas.
Mesorra escura
toda manchada de tinta
das escritas.
Altos na parede, dois retratos:
Deodoro, Floriano.
Num prego de forja, saliente na parede,
Estirava-se a palmatória.
Porta de dentro abrindo
numa alcova escura.
Um velhíssimo armário.
Canastras tacheadas.
Um pote d’água.
Um prato de ferro.
Uma velha caneca, coletiva, enferrujada.
Minha escola da Mestra Silvina...
Silvina Ermelinda Xavier de Brito.
Era todo o nome dela.
Velhos colegas daquele tempo,
onde andam vocês?
Sempre que passo pela casa
me parece ver a Mestra,
nas rótulas.
Mentalmente beijo-lhe a mão.


“ – Bença, Mestra.”
E faço a chamada de saudade
dos colegas:
Juca Albernaz, Antônio,
João de Araújo, Rufo.
Apulcro de Alencastro,
Vítor de Carvalho Ramos.
Hugo das Tropas eBoiadas.
Antônio Rizzo.
Leão Caiado, Orestes de Carvalho.
Natanael Lafaiete Póvoa.
Marica. Albertina Camargo.
Breno – “Escuto e tua voz vai
se apagando com um dolente ciciar
de prece”.
Alberico, Plínio e Dante de Camargo.
Guigui e Minguito
de Totó dos Anjos.
Zoilo Remígio.
Zelma Abrantes.
Joana e Mariquinha Milamexa.
Marica. Albertina Camargo.
Zu, Maria Djanira, Adília.
Genoveva, Amintas Teomília.
Alcides e Magnólia Craveiro.
Pequetita e Argentina Remígio.
Olímpia e Clotilde de Bastos.
Luisita e Fani.
Nicoleta e Olga Bonsolhos.
Laura Nunes.
Adélia Azeredo.
Minha irmã Helena.
(Eu era Aninha.)
Velhos colegas daquele tempo.
Quantos de vocês respondem
esta chamada de saudades
e se lembram da velha escola?
E a Mestra?...
Está no Céu.
Tem nas mãos um grande livro de ouro
e ensina a soletrar
aos anjos.




Rio Vermelho
Longe do Rio Vermelho.
Fora da Serra Dourada.
Distante desta cidade,
não sou nada, minha gente.
Sem rebuço, falo sim.
Público para quem quiser.
Arrogante digo a todos.
Sou Paranaíba pra cá.
E isto chega pra mim.
Rio Vermelho das janelas da casa velha da Ponte...
Rio que se afunda debaixo das pontes.
Que se reparte nas pedras.
Que se alarga nos remansos.
Esteira de lambaris.
Peixe cascudo nas locas.
Rio, vidraça do céu.
Das nuvens e das estrelas.
Tira retrato da Lua.
Da Lua quarto-crescente
que mora detrás do morro.
Lua que veste a cidade de branco
e tece rendado de marafunda
na sombra das cajazeiras.
Rio de águas velhas.
Roladas das enxurradas.
Crescidas das grandes chuvas.
Chovendo nas cabeceiras.
Rio do princípio do mundo.
Rio da contagem das eras.
Rio – mestre de Química.
Na retorta das corredeiras,
corrige canos, esgotos, bueiros,
das casas, das ruas, dos becos
da minha terra.
Rio, santo milagroso.
Padroeiro que guarda e zela
a saúde da minha gente,
da minha antiga cidade largada.
Rio de lavadeiras lavando roupa.
De meninos lavando o corpo.
De potes se enchendo d’água.
E quem já ficou doente da água do rio?
Quem já teve ferida braba, febre malina,
pereba, sarna ou coceira?
Rio, meu pobre Jó...
Cumprindo sua dura sina.
Raspando sua lazeira
nos cacos dos seus monturos.
Rio, Jó que se alimpa,
pela graça de Deus, Virgem Santa Maria,
nas cheias de suas enchentes
que carregam seus monturos.
Ponte da Lapa da minha infância...
Da escola da Mestra Silvina,
do tempo em que eu era Aninha...
Ponte do Carmo, querida,
dos namorados de longe.
Por onde passava enterro,
dos anjinhos de Goiás,
que iam pro cemitério,
pintadinhos de carmim.
Caixãozinho descoberto.
E a música tocando atrás
a Valsa da Despedida.
Ponte nova do Mercado
- foi pinguela do Antônio Manuel,
banheiro da meninada.
Ponte do Padre pio dos potes d’água.
Carioca de nós todos.
Pinguelona dos destemidos,
contando a estória de um sino.
Sino grande, imprensado,
nas locas da cachoeira.
Sino da Igreja da Lapa,
que rodou na grande enchente
tocando pro rio abaixo.
Até que parou imprensado
nas pedras da Pinguelona.
Gente que passa ali perto
conta estória do sino:
Inda toca à meia-noite
quando a cidade se aquieta,
e as águas ficam dormindo.
Tange, pedindo uma graça:
que algum cristão caridoso,
o salve daquele poço,
o tire debaixo d’água.
Pois seu destino de sino
é no alto de uma torre
abençoando a cidade.
Dando aviso para o povo
- louvor a Deus poderoso.
Poço da Mandobeira...
Poço do Bispo...
Poço da Carioca...
Sombras de velhos banhistas dos velhos tempos.
Sabão do Reino no bolso.
Toalha passada ao ombro.
Cigarro de palha no bico.
A vitamina do banho.
Banho da Carioca.
Águas vitaminadas...
Rio Vemelho – meu rio.
Rio que atravessei um dia
(Altas horas. Mortas horas.)
há cem anos...
Em busca do meu destino.
Da janela da casa velha
todo dia, de manhã,
tomo a bênção do rio:
- “Rio Vermelho, meu avozinho,
dá sua bença pra mim...”






[1] Artigo apresentado como pré-requisito de avaliação do Curso de Especialização em Gramática e Texto da Universidade Salvador – Unifacs (2003)

[2] Bacharel em Comunicação Social, com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia
E-mail: graça_jornalista@yahoo.com.br
3. Texto transcrito do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, página 25.
[4] Ester Mambrini é autora da dissertação de Mestrado Teatro e Variação Lingüística – a colocação pronominal em duas versões de A viúva Pitoma, de João Simões Lopes Neto.
[5] Vintém de Cobre é um dos poemas do livro Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha , de Cora Coralina, editado pela Universidade Federal de Goiás, em 1983.
[6] Transcrito do livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, de Cora Coralina

Reconfiguração do post em 24 de Outubro de 2010, às 31h35