domingo, 10 de junho de 2012

Toda atenção é pouca na hora de se fazer um título

Desatenção ou desconhecimento? Não tenho ideia precisa da causa, mas ultimamente observo que autores de muitos textos jornalisticos estão chamando a atenção, no título, de informação que não consta no corpo da matéria. Se isso for uma tendência, lamento muito porque percebo aí equívoco do ponto de vista da produção textual. 

A importância de um bom título reside no fato de despertar o interesse pela leitura do texto, seja notícia jornalística ou qualquer outro gênero. Precisa ser elaborado com muita atenção e ter sintonia em relação aos demais elementos textuais - introdução (no caso, em especial, pode ser compreendida como o lead), desenvolvimento e conclusão. Caso contrário, gera dúvida e incompreensão ao leitor, além de diminuir a credibilidade da informação.

Há várias formas de se fazer um título. Uma possibilidade é enfatizar o contexto, como se fosse um 'guarda-chuva' que expressa o ambiente e sintetiza o conjunto das informações. Essa opção cabe muito bem numa reportagem. Nesta época de festejos juninos, na Bahia, uma matéria especial sobre a programação sobre o assunto, por exemplo, pode receber um título sem se prender a uma informação específica. 'Forró para todos os gostos em Salvador e no interior' - perceba que não foi destacado número de atrações ou investimento nos festejos.

O título também pode ser livre, leve e solto, desde que tenha sintonia com o texto e o veículo onde a informação é publicada. O Dia dos Namorados, 12 de junho, vem aí. Se, ao invés de matéria sobre vendas de presentes nos shopping centers - o que predomina nos noticiários dessa época -, pensássemos numa pauta sobre acasalamento no mundo animal? Se destacássemos o Parque Zoobotânico de Salvador, poderíamos dar asas à imaginação e colocar o título 'Namoro no Zoo' sem risco de errar.

Se o desejo é destacar uma informação, a mesma obrigatoriamente precisa estar inserida no texto. Para melhor entendimento, observe os exemplos hipotéticos a seguir. Não posso citar que o 'Governo federal destina R$ 110 milhões para educação na Bahia', se isto não está escrito na matéria.

É também inadequado dizer que 'Chuva causa alagamentos em dez bairros de Salvador' ou que 'Mau tempo gera cancelamento de 30 voos em Gurarulhos" se a informação não está registrada no corpo da matéria. Mesmo colocando o nome de cada uma das avenidas atingidas pelo temporal na capital baiana ou o destino dos voos cancelados no aeroporto paulista, os números precisam ser citados. Sem esse cuidado, o leitor vai precisar contar se tiver o desejo de conferir a notícia, o que se torna muito desagradável. (Imagem: coimbra-braga.olx.pt)








domingo, 29 de janeiro de 2012

Foi cordeiro em 2008 para virar antropólogo no ano seguinte

Foto: Haroldo Abrantes
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e a Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos da Bahia (Arfoc-BA) promovem nesta terça-feira (31), às 10h, a palestra do antropólogo e repórter-fotográfico Haroldo Abrantes sobre os cordeiros da Bahia. Será no Auditório Samuel Celestino, no oitavo andar do Edifício Ranulpho Oliveira, localizado numa esquina da Praça da Sé. O evento é aberto ao público e oferece, de modo especial aos jornalistas, oportunidade de debater, às vésperas do grande evento, o que será o Carnaval 2012 de Salvador.

Haroldo Abrantes apresentou em 2009 a dissertação 'Cordeiros da Bahia: festa e trabalho nas cordas do Carnaval de Salvador. Ensaio de Antropologia visual e urbana'' e foi aprovado pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Para decifrar o tema que escolhera para sua pesquisa acadêmica, Abrantes, com a aquiescência de seu orientador, professor doutor Edwin Reesink, atuou como cordeiro do bloco “Nu Outro” no Carnaval de 2008.

TEXTO BEM ESCRITO

A dissertação de Haroldo Abrantes tem o mérito adicional de ser bem escrita. Assim o leitor percorre suas páginas sem dificuldades e conhece a saga dos homens e mulheres que, por força das dificuldades de obter emprego, viabilizaram uma atividade novíssima no mercado de trabalho que é a de cordeiro de bloco de Carnaval. O antropólogo Haroldo Abrantes define que “o trabalho do cordeiro é construir uma fronteira arbitrária que se movimenta, deslocando todo o território do bloco com tudo que estiver dentro dele. O cordeiro aluga seu corpo para proteger o corpo dos outros”.

Abrantes, no seu trabalho, contrapõe duas situações do Carnaval dos últimos anos quando informa que “os camarotes fixos são construídos com materiais convencionais, madeira, ferro, tijolo, prego e cimento, por operários da construção civil, e os camarotes andantes, os blocos do moderno Carnaval de Salvador, são construídos pelos cordeiros com corda e seu próprio corpo”. 
A situação dos cordeiros, conforme a dissertação de Abrantes, já foi pior. A categoria foi à luta e criou, em 2003, a Associação dos Trabalhadores Cordeiros e Similares das Entidades Carnavalescas e Culturais do Estado da Bahia (Assindcorda). A associação foi transformada em sindicato em 2006. Apesar do avanço e por causa do exército de desempregados, no período que antecede o Carnaval “os cordeiros estão prontos para o abate, gordos de fome”.

O autor de 'Cordeiros da Bahia' ensina que “há toda uma pirâmide hierárquica na corda, como se os cordeiros formassem um pelotão militar que precisa de patentes superiores para comandar”. Segundo Haroldo Abrantes, “nesse exército os cordeiros são os recrutas, imediatamente acima vêm os cabos de corda, depois os coordenadores ou líderes, os diretores de corda e por fim os diretores do bloco”. Explica, ademais, que “paralelamente existem as patrulhas de seguranças, que ficam circulando pelo meio do bloco”.

O AUTOR E A FOTOGRAFIA

O antropólogo e repórter-fotográfico Haroldo Abrantes da Silva nasceu em Manaus (AM)e vive na Bahia há muitos anos. Filho de servidor público federal, morou também no Rio Grande do Sul. Na Bahia, Haroldo estudou no Colégio Antônio Vieira. Mais adiante ingressou na imprensa como repórter-fotográfico e nos dias de hoje atua na equipe de fotógrafos do núcleo central da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado da Bahia.

O trabalho acadêmico de Haroldo Abrantes, além do texto, contém cerca de duas centenas de fotografias que respaldam as informações escritas. Por isso o subtítulo 'Ensaio de Antropologia visual e urbano'. Acrescente-se que a bibliografia utilizada e listada pelo autor agrega valor ao trabalho e, de modo correto, informa a existência de trabalhos anteriores sobre o cordeiro de Carnaval, a exemplo de  'O Carnaval dos Cordeiros. Trabalho e violência entre auxiliares de segurança de Salvador', dissertação de mestrado que Juliana Maia defendeu em 2008 no Instituto de Saúde Coletiva da Ufba.

Haroldo Abrantes, ao final do trabalho, informa que “depois dessa experiência, concluí que a mercadoria que os cordeiros vendem é o seu próprio corpo, usado para proteger o corpo de foliões do bloco, utilizado na construção de um muro [...], que segrega duplamente os cordeiros. Os cordeiros são conquistadores de territórios, construtores de camarotes andantes para aqueles que compram a senha de acesso, o abadá do bloco”. Antes do ponto final, o autor esclarece: “Esse foi o relato de um cordeiro, trabalhador do Carnaval, sujeito e objeto, finalizado em 12 de outubro de 2009, às 23 horas e 14 minutos”.
Autor do release: Luis Guilherme Pontes Tavares
MTBA-660

sábado, 21 de janeiro de 2012

Sob o Sol de Olivença

Adolescência em flor, crescia o desejo de tomar banho de mar, que tinha visto só uma vez ainda criança. Naquela época, a imensidão da água azul não deu coragem nem de molhar os pés, quanto mais atravessar de barco o trecho entre Ilhéus e Pontal, no sul baiano, como fez a família - ficou no carro com a irmã mais velha até que todos retornassem à terra firme.

Da infância ao despontar da juventude, o receio ficou para trás e o sonho de usar maiô de duas peças (nada parecido com os biquínis de hoje) e se estirar na praia foi crescendo. Um dia o que era vontade se tornou realidade. Meu e de outras garotas...

Ainda nem tinha começado o Verão, quando o grupo chegou a Olivença, distrito de Ilhéus de admirável mar azul. Eu e amigas, o que mais queríamos, era o bronzeado e retornar a Itapetinga, onde vivíamos, mostrando a pele morena, passando por cima de qualquer cuidado para proteger o corpo juvenil.

Sem bronzeador, valia tudo para pegar a cor. Beterraba com dendê, óleo de urucum. Lambuzadas da face aos pés, passamos a sexta-feira sob o Sol, de quase 40 graus. No final do dia, garotas de pela clara igual a leite ficaram da cor de pimentão vermelho. As morenas também sentiram o efeito da imprudência.

Tudo ardia e ninguém tinha hidratante. Dormir em colchonete só piorava a situação, ainda mais porque as muriçocas não davam sossego. Nesse sufoco, os olhos nem precisavam fechar para vir o pesadelo. A noite insone não ia embora.

Para aliviar um pouco, o jeito era passar amido de milho no rosto e em cada pedacinho do corpo. No sábado de manhã, mesmo com a pele clamando distância da praia, lá estava o grupo de novo descendo a ladeira rumo à areia. O ritual se repetia e, besuntadas novamente, insistiam em buscar mais cor.

No retorno a Itapetinga, ao invés do bronzeado, bolhas apareciam por todo o corpo. E logo começaram a estourar. Veio a coceira persistente, a pele soltava. Só restaram manchas que demoraram para desaparecer.