O ritual é rápido. Água no rosto, poucos goles de café, roupa surrada. Sem um beijo no filho de nove meses, sai quase voando para não perder o ônibus que deixa o bairro antes das seis. Acha um lugar e senta.
Cinco minutos após, o velho coletivo dá a partida. Sacoleja pra lá, sacoleja prá cá. No embalo, Cremilda cochila. Compensa a noite mal dormida, cheia de preocupações com o marido desempregado e o futuro do bebê. Até o bairro da Graça, onde trabalha, normalmente a viagem dura mais de uma hora.
Nunca a doméstica chega depois do horário combinado. Naquela última quinta-feira de agosto não dá para marcar o ponto. Ainda na Suburbana, o pneu traseiro direito do ônibus fura. E o motorista põe o pé no freio. A jovem, que sonhava amamentando o filho, acorda assustada e percebe a situação.
O socorro mecânico demora e Cremilda se desespera. "Vou levar bronca. Dona Emília não vai acreditar que o pneu do ônibus furou", pensa alto a jovem, 29 anos, que mora de aluguel numa casa de três cômodos. Tenta usar o celular. O aparelho descarregou. Pede emprestado o da vizinha de cadeira. Não tem crédito.
Só às sete e cinquenta o pneu é trocado e a viagem recomeça. Às oito e meia buzina no apartamento do 15º andar. Não tem ninguém na casa da patroa. No dia seguinte, ao chegar pontualmente às sete, conta a história. É demitida. Na face uma lágrima...
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