segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Medo de avião

Não dava mais para recusar pauta que dependesse de voo. Até então, diante de qualquer possibilidade, a resposta era rápida: "Pode me demitir, mas não viajo". Mas quando a TV foi transmitida, pela primeira vez, num distante município baiano, mais perto de Brasília do que de Salvador, foi impossível repetir o não.

O chefe de reportagem, do alto de seus quase 1,90 m, determinou: "Tem viagem para Barreiras e você vai". Tremendo perguntei: "É de avião?" A resposta seca foi o sim. Mesmo sabendo da impossibilidade de aeronave de médio porte pousar na cidade, ainda perguntei: "O avião é grande?" Ele afirmou sim só por dizer enquanto eu, sem argumento, fui para casa arrumar a mala e seguir para o embarque.

Menos de duas horas depois estava na pista das pequenas aeronaves. Como um arco-íris, minha cor variava entre a palidez, o vermelho, o amarelo... O coração disparado só faltava sair do corpo. Mal respirava dominada pelo medo de voar.

O pavor era tão forte que, na infância, fiquei do lado de fora quando um grupo de estudantes do então primário foi conhecer um avião de perto. A gente sabia que a visita era só para ver aquela máquina metálica voadora. Mas não confiei. Temia que, por alguma razão, voaria mesmo sem comandos.

Na vida adulta o medo continuou, mas as circunstâncias levaram a enfrentá-lo. Então lentamente subi a escada, junto com outras cinco pessoas, além do piloto e o co-piloto. Em minutos, o minúsculo avião se afastava do chão, roncava e rumava em direção às nuvens.

A viagem foi tranquila até se aproximar de Barreiras. Por lá o medo quintuplicou. Não era turbulência. Era bem pior. O avião perdia altura e eu tinha a sensação de que cairia. Rezava, pedia proteção a todos os santos e achava que aqueles eram os últimos minutos da minha vida.

Nesse clima, o avião pousou em Barreiras. Fiquei aliviada, ao menos, até o retorno a Salvador. Dois dias depois chegamos novamente à pequena pista sem pavimentação. A segurança era tão precária que roubaram gasolina do avião. Foi preciso reabastecer para o novo embarque.

Na volta, a história foi só um pouco menos assustadora. Chovia muito e o aviãozinho trepidava parecendo carro numa estrada esburacada. Enfim chegamos à capital e passei a voar em outras ocasiões. Até hoje, qualquer tremorzinho que aparece, agarro as mãos de quem estiver ao lado. Seja padre, freira, homem, mulher, adulto, jovem, velho, criança... Só assim fico mais confiante. (Foto: Flickr)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Haikais

1
Plenitude do escuro
remete ao brilho
e ao mistério da luz

2
Palavras dançam
plantam os sons
desenham os tons

3
Sossego traz
inspiração para
abrir o coração

4
Ser ou ter eis
uma boa questão
para reflexão

5
Mirar o alvo
do que semeou
rende frutos

6
Andar sem rumo
não tira ninguém
do mesmo ponto

7
Dia vira noite
a noite vira o dia
sempre no vaivém


Foto: Regis Capibaribe

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Era uma vez minha máquina de escrever

A primeira vez a gente nunca esquece... Faz uns 15 anos e a experiência permanece viva na memória. O jornal onde eu trabalhava ensaiava os primeiros passos rumo à informatização. Lenta e gradualmente, as velhas máquinas de escrever iam ficando amontoadas enquanto os computadores, cada vez mais, ganhavam espaço na redação.

Eu, com a velha Remington no trabalho - e uma resistente Letera 32, do tempo de faculdade, em casa - entrei em parafuso. Questionava, reunia argumentos, não sei onde, para tentar convencer os colegas do perigo desse caminho. Acreditava que o computador iria isolar uns dos outros, impedir o bate-papo, muitas vezes agradável, entre um toque e outro nas antigas maquininhas.

Resisti o quanto pude, mas fui vencida. Sempre arrumava uma desculpa para não deixar tirar a Remington de perto de mim. Reação parecida só a de um colega da editoria de Esporte, último a aceitar teclar ao invés de datilografar. Eu fui a penúltima, e o momento foi tenso. A ansiedade dominava corpo e alma. Estava nesse clima quando levaram minha máquina. E passei a digitar (catando aqui e acolá) algumas soltas palavras. Produzi pouco e fui para casa.

Aí o drama triplicou. Nunca vivi uma noite tão terrível. Nada ficava no estômago nem no intestino. Expelia a nova situação. Água, chá, nada ajudava a melhorar a agonia. Passei mal, muito mal quase toda a madrugada, até que deitei e me entreguei. Não tinha forças para levantar de novo e, assim, na exaustão, adormeci.

No outro dia, bem no outro dia, amanheci melhor. Inundei o corpo de água, por dentro e por fora. Fiz a limpeza necessária, renovei as energias para aceitar a despedida da máquina de escrever. E rumei para a redação.

No começo nada de internet. Era só digitar, imprimir e encaminhar ao diagramador para dar forma à página. Depois avançou um pouco, e as matérias já seguiam para a outra etapa por meio digital. E assim foi, cada dia uma novidade, até o boom da Internet no Brasil.

Hoje é impossível ficar sem o computador. Só eventualmente lembro da maquininha laranja (a Letera) onde levava horas e horas para elaborar minhas primeiras reportagens. A modernidade me conveceu e venceu.

Ao invés do isolamento que temia com o advento dos computadores, percebo o contrário. É possível ficar tão perto mesmo estando longe do olhar, do tato, do olfato, do gosto, da escuta...Ainda não testei a WebCam... Será que daqui a 15 anos vou dizer: a primeira WebCam a gente nunca esquece?

sábado, 15 de agosto de 2009

Plateia

Por que cair?
Por que sorrir?
Quanta gente cai!
Quanta gente ri!
Tragédia e comédia
como se fossem
uma cena só!
Quantas vezes cai.
Quantas vezes riram de mim.
Agora posso cair
sem fazer disso tragédia
e levantar antes
que me tornem uma comédia.
Agora posso cair
e eu mesma sorrir.
Porque sou a cena,
sou o palco e também
a plateia de mim.


Publicada originalmente em Sintonia - Caderno de Poesias e Crônicas, de minha autoria, em 2002
Imagem de Sónia Cristina Carvalho, Olhares Fotografia Online




quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Banho de rio

Como era bom descer a ladeira, acompanhada da mãe, dos irmãos e das pessoas que ajudavam no batente da casa grande!

A tarde costumava ser de festa quando o programa era tomar banho de rio. Biquínis e maiôs, nem pensar. O traje das meninas era a calcinha; para os meninos, bermuda. A mocinha da família, a mãe e as outras adultas ficavam de sutiã e anágua. Isto, quando não se lançavam ao rio de vestido e tudo.

A sensação de prazer aos poucos tomava conta dela. Os pés sentiam a areia, sinal de que o rio estava cada vez mais perto. Delícia maior era a água fria ir se apoderando do corpo lenta e suavemente. Primeiro, os pés. Em seguida as mãos, que iam molhando outras partes. Depois nada melhor do que mergulhar e tentar nadar. Em lugar raso. Pois o rio grande e largo intimidava - nas épocas chuvosas, era como visse o mar que ainda não tinha conhecido.

A turma fisgava piabas improvisando armadilha com uma garrafa de vinho. Colocava um pouco de farinha e segurava a garrafa na água. Os peixinhos entravam. Era grande a alegria. Outra boa farra era saborear a fruta do ingazeiro que fazia sombra gostosa na beirinha do rio.

Publicada originalmente em Sintonia,
Caderno de Poesias e Crônicas,
de minha autoria, em 2002.
Imagem: Alfredo Almeida Coelho da Cunha / Olhares Fotografia On Line