quinta-feira, 25 de março de 2010

Muriçocas e a autonomia de voo

Basta o sol ensaiar o movimento de se despedir que elas aparecem. No dia claro, como num passe de mágica, ficam invisíveis. Quando a noite chega as malditas muriçocas surgem do nada. Procuram os cantinhos escuros para se proteger e depois atacar suas vítimas. E aí é um Deus nos acuda. Aplicam ardentes picadas e forçam quem está dormindo a pular da cama para se coçar e passar algum antisseptico.

Em Salvador parece que os pernilongos têm autonomia de voo. Ou então sobem de elevador - será? Na Avenida Juracy Magalhães, um dos acessos para o nobre bairro Cidade Jardim, os mosquitos alcançam andares altos. Para complicar, desafiam todo tipo de repelente, transformando a hora de dormir num transtorno. Este ano, todos os dias, as malditas muriçocas fazem a festa sugando as vítimas desde janeiro.

A chuva dos últimos dias ainda não foi suficiente para espantar os pernilongos. Os danados se reproduzem com facilidade no canal que corre a céu aberto na Juracy Magalhães. Em meio à falta de ação da prefeitura para exterminar as muriçocas, só vejo um jeito de se livrar um pouco delas: adotar os cortinados. Têm que ser daqueles de tela bem fininha para brecar a passagem de alguma infeliz mais ousada.

Falam por aí de outra alternativa: uma tal raquete elétrica. Outro dia, em frente ao Shopping Center Iguatemi, um vendedor ambulante apresentava a arma letal para os mosquitos. Ainda não testei, mas a vontade é comprar várias, acionar o dispositivo que emite o choque e matar todas de maneira bem cruel: por eletrochoque. Malvadeza? Que nada! As sugadoras do sangue alheio merecem. (Foto: Flickr)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Mulher

Em homenagem ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher, nada melhor do que o poema Mulher, do grande poeta Carlos Drumond de Andrade:

Para entender uma mulher
é preciso mais que deitar-se com ela…
Há de se ter mais sonhos e cartas na mesa
que se possa prever nossa vã pretensão…

Para possuir uma mulher
é preciso mais do que fazê-la sentir-se em êxtase
numa cama, em uma seda, com toda viril possibilidade… Há de se conseguir
fazê-la sorrir antes do próximo encontro

Para conhecer uma mulher, mais que em seu orgasmo, tem de ser mais que
amante perfeito…
Há de se ter o jeito certo ao sair, e
fazer da saudade e das lembranças, todo sorriso…

- O potente, o amante, o homem viril, são homens bons… bons homens de
abraços e passos firmes…
bons homens pra se contar histórias… Há, porém, o homem certo, de todo
instante: O de depois!

Para conquistar uma mulher,
mais que ser este amante, há de se querer o amanhã,
e depois do amor um silêncio de cumplicidade…
e mostrar que o que se quis é menor do que o que não se deve perder.

É esperar amanhecer, e nem lembrar do relógio ou café… Há que ser mulher,
por um triz e, então, ser feliz!

Para amar uma mulher, mais que entendê-la,
mais que conhecê-la, mais que possuí-la,
é preciso honrar a obra de Deus, e merecer um sorriso escondido, e também
ser possuído e, ainda assim, também ser viril…

Para amar uma mulher, mais que tentar conquistá-la,
há de ser conquistado… todo tomado e, com um pouco de sorte, também ser
amado!”

Foto: Flickr

quinta-feira, 4 de março de 2010

Assombração


A casa era bem simples. E, para desespero da família, foi construída perto de uma praça, onde existiu um cemitério. Imagine a sensação de morar num lugar como esse, quando mãe e filhos viviam sob o signo do medo. Medo de tudo: de baratas, de potós, de ratos, de ladrões, de almas...

Eu deveria ter uns 9 anos, e até hoje não esqueci aqueles momentos apavorantes. Bastava chegar a noite, que surgia um barulho estranho. Era como se alguém estivesse jogando um terço sobre a mesa. Quando chegávamos na sala, para angústia maior, não havia ninguém.

A gente tremia nas bases. Eu acreditava que só pudesse ser coisa do além. Minha mãe nem se fala. Rezava para todas as almas tentando mantê-las longe de nossa casa. As duas beatas, que moravam ao lado, se juntavam nas orações. Passavam horas e horas rogando a todos os santos.

Tudo em vão. Não tinham terços nem rosários que fossem suficientes. Uma nova noite chegava e o drama se repetia. Por mais de uma semana, enfrentamos esse tormento, e quando o dia despertava o rosto de cada um revelava os sinais da madrugada insone.

Numa noite o fenômeno foi desvendado. Sabe o que estava por trás da farra noturna? Um calunguinha. O danado se escondia num armário da sala, onde havia uma lata de feijão que deve ter ficado aberta. Entrava na lata. Depois saltava espalhando o feijão fazendo o barulho que nos amedrontava.

O rato teve o fim que merecia. E nós ficamos com o prejuízo ao substituir o ingrediente principal da feijoada de domingo.

Originalmente publicada em Sintonia - Caderno de Poesias e Crônicas, de minha autoria, no ano de 2002.

Foto: Flickr