quinta-feira, 4 de março de 2010

Assombração


A casa era bem simples. E, para desespero da família, foi construída perto de uma praça, onde existiu um cemitério. Imagine a sensação de morar num lugar como esse, quando mãe e filhos viviam sob o signo do medo. Medo de tudo: de baratas, de potós, de ratos, de ladrões, de almas...

Eu deveria ter uns 9 anos, e até hoje não esqueci aqueles momentos apavorantes. Bastava chegar a noite, que surgia um barulho estranho. Era como se alguém estivesse jogando um terço sobre a mesa. Quando chegávamos na sala, para angústia maior, não havia ninguém.

A gente tremia nas bases. Eu acreditava que só pudesse ser coisa do além. Minha mãe nem se fala. Rezava para todas as almas tentando mantê-las longe de nossa casa. As duas beatas, que moravam ao lado, se juntavam nas orações. Passavam horas e horas rogando a todos os santos.

Tudo em vão. Não tinham terços nem rosários que fossem suficientes. Uma nova noite chegava e o drama se repetia. Por mais de uma semana, enfrentamos esse tormento, e quando o dia despertava o rosto de cada um revelava os sinais da madrugada insone.

Numa noite o fenômeno foi desvendado. Sabe o que estava por trás da farra noturna? Um calunguinha. O danado se escondia num armário da sala, onde havia uma lata de feijão que deve ter ficado aberta. Entrava na lata. Depois saltava espalhando o feijão fazendo o barulho que nos amedrontava.

O rato teve o fim que merecia. E nós ficamos com o prejuízo ao substituir o ingrediente principal da feijoada de domingo.

Originalmente publicada em Sintonia - Caderno de Poesias e Crônicas, de minha autoria, no ano de 2002.

Foto: Flickr

Um comentário:

  1. Ô bichinho asqueroso. Essa realidade é muito próxima de todos nós. rsrs
    Valeu, Graça!

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